A VIDA QUE NOS ULTRAPASSA

A VIDA QUE NOS ULTRAPASSA 

O maior compromisso que todos nós temos, ou pelo menos deveríamos ter, tanto a nível pessoal como a nível coletivo é com a vida.

A vida foi colocada em movimento por um poder superior, uma inteligência inerente, cuja compreensão profunda nos escapa. Nossa entrega e confiança a esse movimento é um ato de fé, pois, por mais explicações que existam, por maior o domínio que a ciência tenha alcançado, por mais que correntes filosóficas e religiosas encontrem explicações plausíveis, o mistério profundo que envolve a vida continua inatingível.

É difícil para nós, humanos, suportar nossa pequenez frente ao grande mistério. Criamos filosofias, religiões, imagens de Deus, mas lá no âmago do nosso ser o mistério descansa sempre grande, sempre maior que nós. Quando a ciência acredita ter dominado um saber, um novo horizonte se desponta.

A vida simplesmente é, nos envolve e nos conduz, sem que tenhamos o poder que acreditamos ter. Se confiamos e nos entregamos, temos um bom percurso, mesmo com os desafios e dificuldades inerentes à própria vida. Se resistimos ou tentamos mudar o curso desse movimento que nos transcende, criamos dor e sofrimento, tornamos nosso percurso desafiador, com percalços e tropeços que dificultam não apenas nosso próprio percurso, mas também o percurso de outras pessoas, seja em nossa própria família ou em nosso entorno.

Se tentamos desvendar o mistério, sucumbimos. Ele é sempre maior que nós. Nos resta viver, usufruir desse misterioso e fascinante percurso. Daí a importância de vivermos o momento presente, sem perseguirmos obstinadamente uma compreensão que nos escapa. A compreensão às vezes nos chega, não porque a perseguimos ou queremos dominar o mistério, mas porque vivemos simplesmente, e essa compreensão é sempre limitada, sempre incompleta.

O antes, o agora e o depois é o percurso da vida, o seu movimento. Não podemos dominar nem mudar o curso, mas podemos nos inebriar no agora, onde estamos presentes e conscientes, nos envolver tão intimamente com a vida que nos tornamos um com ela. Não sentimos mais necessidade de explicações, não precisamos de teorias, de conceitos, somos a própria vida, na experiência vivida e sentida; não importa mais o antes e o depois, estamos na eternidade do agora.

Talvez a razão maior de estarmos aqui seja nosso compromisso com a vida. Nesse movimento que nos conduz e nos transcende, temos um compromisso, o de nos envolver com a vida e deixarmos ser envolvidos por ela em uma relação de amor, cumplicidade e intimidade. Esse é nosso maior compromisso. Não há resistência, há uma relação onde enriquecemos a vida e a vida nos enriquece, numa nutrição mútua, assim como nos relacionamentos amorosos.

Se estamos envolvidos dessa forma com a vida, nossos medos se acalmam e nossas preocupações cessam. Não há mais necessidade de explicações, de controle, de domínio ou de poder. Estamos envolvidos por demais com a vida para nos ocuparmos de qualquer outra coisa.

Viver! Simplesmente viver é a razão maior!

Lucilene Silveira