CAMINHO DO AMOR
O amor é o estado de ser natural e essencial que vibra no silencio do Ser, submerso na inconsciência da mente. É o estado unificado do existir, onde a diversidade se funde na unidade. No amor, a individualidade perde a supremacia, as partes se igualam e cooperam mutuamente. O organismo cumpre sua função através dessa cooperação mútua e harmoniosa onde as partes estão ali, mas quase não são percebidas individualmente, estão integradas à grandeza do organismo total. É isso que as tornam grandes. Assim como em uma orquestra onde os instrumentos individuais quase não são percebidos, mas são fundamentais para a beleza da orquestra como um todo. Cada instrumento torna-se grandioso em sua união com os demais. É um desaparecer-se para aparecer – no todo.
Assim, atua o amor. Ele unifica, por isso é belo e preenche. Ele iguala, por isso é humilde e suave. Nele, tudo se funde e se realiza em uma beleza sem igual. No amor, a vida é plena, é puro deleite. Não é necessário muito esforço, pois há entrega ao movimento do todo como parte integrada e colaborativa. Esse movimento é suave, leve, profundo, belo.
Desconectados desse estado de ser natural a vida se torna desafiadora, tensa, pesada, onde muitos pequenos “eus” competem entre si mobilizados pelo medo. Medo de perder algo ou de não conquistar algo, todos perdidos de si mesmos competindo entre si, desconectados de sua natureza essencial onde vibra o amor que os unifica, preenche e sacia, onde nada falta a ninguém, pois não existe ninguém, existe todos, conectados no Um.
Se o amor é nosso estado de ser natural, o que faz com que nos percamos dele?
Penso no céu e nas nuvens como uma bela analogia. O céu é o amor, o estado de ser natural, as nuvens são o estado de ser transitório, nossas experiências na terra e seus desafios.
A vida na terra é regida pelo medo. Medo instaurado desde os tempos remotos da humanidade, onde a sobrevivência nos deixava sobressaltados, nos organizando para luta ou fuga na tentativa de preservar nossa vida física.
Medo revivido na tenra infância quando nos sentimos impotentes diante da vida, quando a necessidade de amor, afeto e segurança, é experienciada como necessidade de sobrevivência e essas mesmas defesas são colocadas em ação.
Quando nos defendemos, nos separamos de nós mesmos dos outros, da vida, ferimos o amor. Ficamos mais vulneráveis e inseguros, como as efêmeras nuvens que se perdem e se dissolvem no vento. Perdemos de vista o céu, nosso estado de ser natural e absoluto onde vibra o amor.
Os medos que nos paralisam e nos separam, em sua quase totalidade são medos arcaicos, registros mnemônicos de nossa história ontogênica e filogênica, reeditados e atualizados no presente e que não são mais reais.
Respirar, recolher, conectar-nos com o céu em nós, vir para o agora, lembrar-nos que estamos no agora e que talvez, no agora, não há razão para tanto medo! Esse é o caminho da transcendência dos medos fantasmas e reconexão com o amor real.
O que nos separa do amor é o medo. O antídoto do medo é o amor. No amor, estamos seguros, confiamos, nada nos ameaça, Somos.
O amor é como o céu que contempla o ir e vir das nuvens em sua dança no vento. Sempre sereno, constante, absoluto, contemplativo. Esse céu está em nós, podemos conectar-nos com ele, deleitar-nos com a vida!
Apego – amor que não amadureceu
No medo, construímos nossos apegos, pois precisamos assegurar-nos. Perdemos de vista o céu e corremos atrás das nuvens tentando detê-las. Se estamos seguros no amor, no apego estamos completamente inseguros.
O apego está associado à necessidade de afeto, de amor e segurança, natural na infância. É uma vinculação em prol da sobrevivência. A criança necessita da mãe ou de alguém que cuide dela física e emocionalmente, por essa razão a vinculação é tão estreita e dependente.
A criança constrói sua autoimagem a partir dessas primeiras vinculações. A primeira e mais decisiva vinculação é com a mãe, à qual a criança está ligada desde a concepção.
Todo conforto, proteção e segurança estão associados à figura do outro, mais precisamente da mãe. A criança depende física e emocionalmente dela. No início da vida esse outro é mesmo imprescindível, pois um bebê não pode cuidar de si mesmo. A dependência física e emocional aqui é natural, é uma condição para a sobrevivência. Mas se prevalece essa atitude na idade adulta os relacionamentos são prejudicados, especialmente a relação de casal.
Apego é amor que não amadureceu.
Na medida em que a criança vai se desenvolvendo a vinculação com a mãe e com a família vai se afrouxando, ela vai se constituindo enquanto um indivíduo separado, com identidade própria, cada vez mais capaz de cuidar de si mesmo e se autogerir na idade adulta, colaborando com a sociedade e com a vida. Assim se dá o processo saudável do desenvolvimento humano. A modalidade de vinculação com os pais e com a família em geral vai se desenvolvendo, do apego inicial que visa a própria sobrevivência física e emocional e, portanto, só vê a si mesmo, ao amor real que subjaz e apoia toda a família, considerando todos os indivíduos e suas necessidades.
Com o crescimento novos vínculos são estabelecidos, os relacionamentos vão se ampliando e são fundamentados no intercâmbio entre o dar e receber, em uma atitude colaborativa com os outros, com o mundo, com a vida.
O Caminho do amor parte do apego e dependência emocional da criança que visa apenas a si mesma e suas próprias necessidades, ao amor maduro que desmistifica a urgência e ilusões infantis incluindo também o outro e suas necessidades. Visa o bem estar de si mesmo e também o bem estar dos outros e do planeta.
Nem todas as pessoas fazem esse percurso de forma saudável. Nem todas atingem esse nível de maturidade, talvez bem poucas. A maioria das pessoas, embora adultas biologicamente permanecem emocionalmente fixadas nos estágios iniciais do desenvolvimento, buscando e esperando do outro o conforto, a proteção e a segurança que competem a si mesmas e que, agora adultas, são capazes de se dar.
A necessidade iminente que quando crianças tinham em relação à mãe, são projetadas nos outros em forma de exigência e possessividade.
Quais as consequências para os relacionamentos amorosos quando os parceiros estão presos no amor de apego? A relação, quando sobrevive, padece com muitos conflitos gerando sofrimento para ambos.
As carências emocionais e as expectativas em relação aos pais são projetadas no parceiro, que traz as mesmas carências e expectativas. Nesse nível não podem nutrir-se mutuamente como acontece quando a relação é sustentada pelo amor maduro, no saudável e nutridor intercâmbio do dar e receber como adultos autônomos que sabem se nutrir e por isso podem nutrir-se mutuamente; onde cada um vê também o outro e deseja oferecer-lhe o melhor que traz em si.
Só quem cresce e amadurece, só quem faz o percurso do apego ao amor real, pode experimentar essa plenitude nos relacionamentos. Nem sempre é possível fazer esse percurso sozinho. Às vezes é necessário ajuda profissional.
É preciso encontrar-se consigo mesmo para encontrar-se com o outro. Dar nascimento a si mesmo, ao seu ser total, tomando-se dos braços dos seus pais, assumindo-se, cuidando de si, de suas necessidades. Preenchido de si mesmo você está pronto para encontrar o outro e degustar o deleite da relação a dois.
O caminho do amor verdadeiro passa pelo crescimento, autoconhecimento e amadurecimento.
Na maravilhosa carta de São Paulo aos Coríntios (13:11) onde ele fala do amor, em algum momento ele diz: “Quando eu era criança, falava como criança, pensava como criança, raciocinava como criança. Desde que me tornei homem, eliminei as coisas de criança”.
Sem deixar as coisas de criança não é possível conhecer e experienciar o amor real. Não é possível degustar do deleitoso intercâmbio do dar e receber no encontro com o outro. A perspectiva da criança é apenas receber e sempre! É segurar, grudar para nutrir-se.
Relacionamento entre adultos não pode suportar isso, pois o que sustenta o relacionamento adulto é a troca, a capacidade de ambos de dar o que se tem e receber do outro o que ele tem para oferecer.
Cuidar de si, cuidar do outro e deixar-se ser cuidado.
O caminho do amor verdadeiro passa pelo crescimento, autoconhecimento e amadurecimento. Essa é uma escolha que podemos e devemos fazer. A escolha mais importante de nossas vidas, pois nos conduz a nós mesmos, e consequentemente ao encontro com o outro, ao ser essencial que somos, vibrantes e plenos de amor.
Jung descreve o processo de individuação como o processo de realização de Si mesmo. Esse conceito é o eixo central de sua teoria e ele o descreve lindamente.
Individuação é diferente de individualização, é um estágio superior.
Individualizar é parte natural do processo de desenvolvimento, da constituição do ego, da personalidade. A grande maioria se individualiza, mas poucos atingem o estágio da individuação observado por Jung. Esse processo consiste no encontro consigo mesmo, com seu Self maior onde podemos encontrar todos os outros em uma unidade indissolúvel.
Evoluímos de um estágio de indiferenciação com a mãe, onde nos agarramos, apegamos, tememos a individualização em um primeiro momento, que em nossa imaturidade infantil, experimentamos como perda de nós mesmos. Somos na mãe e com ela. Não somos sem ela, fora dela. Esse é o estágio mais primitivo do bebezinho que acaba de nascer.
Aos poucos vamos nos separando da mãe e construindo nossa própria identidade constituindo-nos como seres individuais, separados dela e dos outros.
Se amadurecemos emocionalmente, vemos os outros e suas necessidades para além das nossas e encontramos uma forma amadurecida de conviver, pautada no amor e no respeito. Se não amadurecemos, continuamos focados em nossas próprias necessidades, competindo uns com os outros, muitas vezes em uma atitude de desrespeito e desamor.
Se amadurecemos espiritualmente atingimos o estágio que Jung denominou individuação onde através da conexão com nosso Self, nos conectamos com todos onde somos a totalidade.
Do estágio indiferenciado, ao diferenciado. Do estágio diferenciado ao estado unitivo, realidade primeira e última.
Quem atinge esse nível, conhece o amor, irradia o amor, é o próprio amor manifesto.
Se um casal atinge esse nível, um revela o outro e ambos revelam a Deus. Não temem a entrega pois não temem se perder, encontraram a Si mesmos, encontraram-Se um com o outro.
Quem encontra a Si mesmo e confia em Si mesmo pode encontrar o outro e confiar nele. Não teme se perder e pode se entregar.
O amor no estado unificado permite essa entrega e a confiança total, e ambos permanecem livres. Retomando a analogia da orquestra, assim como os instrumentos que em sua entrega total produzem a beleza da melodia permanecendo livres.
O encontro no estado unitivo, o bem estar de um é o bem estar do outro, é o bem estar de Deus. É um querer bem acima de tudo pois não existe separação entre nós e o outro, entre nós e Deus.
Lucilene Silveira